segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mais uma gota de adoçante

O desespero
guardado nos tupperwares.
Conservar o desespero.
Alimentar-se de desespero
e macarrão instantâneo
e suco instantâneo
em copos cilíndricos de vidro.

Passos soturnos.
Aproveito uma janela descuidada
e alcanço a cozinha.
Armários suspensos,
fogão limpo, pia impecável
nem um mosquito hóspede sequer.
Lave as mãos!
Não suje as roupas!
Aproveito o silêncio descuidado
e alcanço o freezer.
Gavetas embutidas,
taças nevadas, caixas de leite
ovos, um reflexo fidedigno da evolução humana ao lado de
tupperwares.

Falanges gastas
dores nas juntas
artrite, artrose, gota,
por favor mais uma gota de adoçante no meu suco de maracujá.
Se não são as janelas da alma
os olhos,
são as tampas dos tupperwares
que guardam a dialética freudiana
em pedaços quadrados
dentro dos freezeres.

A gênese do mundo
a organização dos universos
o alinhamento dos planetas
a vida
a evolução do homem
a agricultura
as sociedades
as revoluções industriais
a ciência
e os tupperwares.

Lasanhas desesperadas!
Quando nasci
em 1994
as lasanhas já estavam desesperadas
nas groenlândias caseiras
do Brasil século XX.
E hoje
dezenove anos depois
ainda as escuto ensandecidas
quando vou
com meus amigos
aos centros de ajuda anonima.

Tupperwares de vidro.
Tupperwares de plástico.
Tupperwares.

Aproveito o desespero descuidado
e os pinço com calma.
Vivaldi! Não! Chopin:
a musicalidade que eclodia dos tupperwares esfacelando,
o desespero cru
em sua forma cabal
sendo liberto!
Via-os rebentar belos botões de rosa genuína.
Ou seriam lírios do campo?

sábado, 26 de abril de 2014

Hexa

Hora da soneca!
Digerir feijoada é um abacaxi.
Tirar a caipirinha do joelho ajuda;
completa, engrossa a baba,
este escarro relaxado.

Por que não uma guerra fria nesta tropicália?
Congelar água na forminha
cachaça ouro, um dedo d'água, uma mão de açúcar
e ginga, lê lê.
Não é alzheimer
convulsão ou rock n' roll
não é qualquer pillow da Nasa.
É sem fronha, rede de linha
persiana de ferro,
Ribamar Churchill,
que nos permite sonhar:

Alô.
Presidenta?
Presidenta, Vossa Excelência, eu, em um surto estrangeiro, pouco industrial, veja, muito menos norte-americano (aquelas águias infladas), venho propor uma quadra! Questão de carpete, de janelas lustradas; questão polítiquíssima, claro, longe de mim (sob surto) propor quadras puramente mecânicas, não! Venho propor elegância partidária em forma de quadra! Inovação, Vossa Excelência, inovação! Eruditismo, simplicidade. Ao seu governo aço cirúrgico, lustra-móveis, papel reciclado, enfim: um mimo grego de porcelana.
Sim.
Sim.
Entendo.
Claro.
Uma quadra.
Quatro linhas.
Não. Não vai ter Collor. Tudo preto e branco cheio de estrelas.
Vermelhas?
13 estrelas vermelhas?
13 estrelas vermelhas sobre o Itamaraty? Mas eu tinha em mente algo mais subjetivo e...
Certo.
Não. É Ubaldo, senhora.
Isto. Muito obrigado.
13!
Pode deixar.

Patriotas companheiros, uni-vos em samba
Sobre o Itamaraty: o novo centro das Américas!
Das estrelas no céu: treze brasas, a glória!
Brazuca, o marco sexto da vitória!

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Neodeclaração de amor

I'm a spy in the house of love. Sobre a cama: um travesseiro sujo e abandonado. Como fiel escudeira, uma regata também suja para noites de extremo terror; um carregador de celular estirado, sem vida também estava sobre a cama; o edredon formava com o lençol um casal de cobras apaixonadas e imóveis - o ápice do amor envolve estar imóvel em alguns momentos; um boné velho e uma camiseta 100% algodão e 80% utilizável-amanhã.
I know the dream. Sobre a mesa o retrato do que Dona Maria de Lourdes, ali de Mogi Mirim, mãe e avó, que adotou dois gatos (um morreu, o outro vive arranhando os móveis, espertalhão), que planta cheiro-verde no quintal diria ser a mesa de um desses jovens sem futuro. Dois copos sujos, documentos, artigos de informática, chaves, artigos de papelaria, desenhos, O Contrato Social, celular, uma nota de cinco reais, algumas moedas, uma lata de cerveja vazia que veio a se descobrir um ótimo cinzeiro, uma garrafa de 460ml de bebida mista adoçada pasteurizada com 10% de suco natural, uma vela, uma faca e um rolo de papel higiênico. That you're dreamin' on.
I know the words that you love to hear. Maldizer a nós mesmos será o futuro da literatura. Já trilhamos caminhos infundados e outros muito seguros. Como esquecer de todos aqueles cabos de aço que nos prendiam aos mesmos bairros fluminenses? Não nos esqueçamos, eis a proposta. Maldigamos a nós mesmos porque passou perto, lambeu a trave, tirou tinta do canudo. Não foi contra a vontade, a vontade é que anda a procura de Ritalina, Coca-cola e Mentos para se divertir. Não foi de placa porque quem bateu foi um tal de Bocão da série C e não foi Adrianinho Canela de Diamante. Usemos as palavras feias, as ásperas. Usemos o tortuoso não desmerecendo o Belo, o cantor. Façamos piadinhas inofensivas, escrevamos textos ofensivos e, por favor, não nos esqueçamos de comprar mais sabonete líquido para o banheiro!
I know your deepest and secret fear. Comprei uma barraca. Dois lugares. Uma barraca para me acomodar neste novo espírito aventureiro. Dois lugares: um para meu cadáver e outro para minha coleção de sketchbooks incompletos. Já são quatro. Antes da Copa quero ver outro em comemoração à seleção verd'amarela. Dois lugares para que eu possa dormir acompanhado, é claro, onde eu possa sentir na pele o suor da companhia e beijá-la, talvez levá-la a um pé de montanha no Tibete (plateau region in Asia) e lá permanecer imóvel - o ápice do amor envolve estar imóvel em alguns momentos.
I'm a spy in the house of love e esta foi uma neodeclaração de amor.